segunda-feira, 3 de março de 2014

Caso de amor

Uma estrada é deserta por dois motivos: por abandono ou por desprezo. Esta que ando nela agora é por abandono. Chega que os espinheiros a estão abafando pelas margens. Esta estrada melhora muito de eu ir sozinho nela. Eu ando por aqui desde pequeno. E sinto que ela bota sentido em mim. Eu acho que ela manja que eu fui para a escola e estou voltando agora para revê-la. Ela não tem indiferença pelo meu passado. Eu sinto mesmo que ela me reconhece agora, tantos anos depois. Eu sinto que ela melhora de eu ir sozinho sobre seu corpo. De minha parte eu achei ela bem acabadinha. Sobre suas pedras agora raramente um cavalo passeia. E quando vem um, ela o segura com carinho. Eu sinto mesmo hoje que a estrada é carente de pessoas e de bichos. Emas passavam sempre por ela esvoaçantes. Bando de caititus a atravessavam para ver o rio do outro lado. Eu estou imaginando que a estrada pensa que eu também sou como ela: uma coisa bem esquecida. Pode ser. Nem cachorro passa mais por nós. Mas eu ensino para ela como se deve comportar na solidão. Eu falo: deixe deixe meu amor, tudo vai acabar. Numa boa: a gente vai desaparecendo igual quando Carlitos vai desaparecendo no fim de uma estrada...Deixe, deixe, meu amor.

Manoel de Barros

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ela

Não pensei que um filme iria me espancar tão forte depois de Tatuagem. Pelo menos não em tão pouco tempo. Ela, de Spike Jonze, me atropelou, e por sorte tenho aqui a placa anotada. Penso que arte é isso, o que ela tem de sublime. Dar ela não te dá, pois o mundo é torto mesmo, e a gente então, vixe. Mas quando é grande feito essa, emprestar ela te empresta. Plenitude. E aí você se emociona dum jeito que quer tudo, incluindo o que já foi vivido, sofrido e repetido. É contraditório. Essa insistência nossa em existir e querer dividir é contraditória. Alguém disse que viver é um ato de coragem. Disse bem. Eu penso muito. Eu sinto muito. E acho é bom.



quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Ôrizonti

Tá assim ó, ora chinfrim, ora lindim.
Tem veiz que estufa, todo inchado!
Tem veiz que azeda,  todo cagado.
Cê é bipolar é?
Diacho...

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

São Paulo hoje

É aquele tio alcoólatra que só dá vexame, e se faz força pra odiar. Mas não odeia.
Ainda ontem ele me chutou bola, pagou tubaína e me deu uma tarântula. Hei de torcer.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Travando a engrenagem


Se a injustiça é parte do inevitável atrito no funcionamento da máquina governamental, que seja assim: talvez ela acabe suavizando-se com o desgaste - certamente a máquina ficará desajustada. Se a injustiça for uma peça dotada de uma mola exclusiva - ou roldana, ou corda, ou manivela -, aí então talvez seja válido julgar se o remédio não será pior do que o mal; mas se ela for de tal natureza que exija que você seja o agente de uma injustiça para outros, digo, então, que se transgrida a lei. Faça da sua vida um contra-atrito que pare a máquina. O que preciso fazer é cuidar para que de modo algum eu participe das misérias que condeno.

Henry David Thoreau - Desobediência Civil