sexta-feira, 17 de abril de 2009

Não fui ainda

Tava pensando no Seu Antonio. Já fiz curativo e dei banho nele umas três vezes. Ele tá lá no hospital tem quase dois meses. Ele tem uma perna amputada e na outra tem uma ferida aberta do peito do pé até o começo da canela, é nessa ferida que a gente faz o curativo todo dia. E eu converso bastante com ele porque quase sempre eu fico encarregado de cuidar do quarto que ele tá. Ele é gente fina. Pra caralho. É cozinheiro, desenha e é poeta também, me mostrou os cadernos de desenho e de receitas que ele tem. Só falta o de poesias. Eu cobro dele todo dia. Hoje a gente tava dando banho nele e ele começou a bufar, perguntei pra ele se ele estava com dor e ele disse que não. Perguntei se estava tudo bem e ele me disse que os médicos tinham ido lá hoje pra conversar com ele, e disseram que ele vai ficar mais uns dois meses lá porque ele tem que fazer umas cirurgias. Parece que vai ter que amputar essa perna também. Ele é diabético e eu nunca quis perguntar mas acho que ele perdeu a outra do mesmo jeito. Começa uma ferida que não fecha e vai subindo, aí pra não deixar alastrar eles amputam. Ele é mó animadão e sempre que a gente tá trocando o curativo ele pergunta meio que afirmando já se está melhorando, e de fato até tá, mas não muita coisa, ela é tão funda que dá pra ver o tendão. Ele comentou hoje que não quer que cortem ele mais. Quando eu fico conversando com ele eu penso de onde vem tanta gentileza, porque ô véinho gente fina é esse aí, me coloco no lugar dele e não me imagino sendo gentil assim. Aí volto pensando em mais uma pá de coisa, entre elas pensei hoje que seria bom uma máquina digital, seria bom ter uma foto com o seu Antonio, vale a pena ter uma foto com ele. Pensei também que apesar de esse estágio estar sendo bem legal que eu tenho que me policiar pra não me apegar a bostas corriqueiras como correr pra fazer anotação, se preocupar com horário, e mais um monte de vícios de merda que a gente adquire sem perceber. Dentre as muitas que tenho uma das preocupações que valem é a de ter uma máquina digital, seria bom ter uma. Agora eu durmo.

6 comentários:

.lucas guedes disse...

chorei.
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lindo e simples este post, como a vida tem de ser.
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e hoje, dê um abraço no seu antônio por mim e cobre poesias dele pra colocar aqui no blog.

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Bola, o André disse...

Vida longa ao Seu Antonio, e sem sofrimento. Ele merece!!!!

.leticia santinon disse...

Que bonito!

Ana disse...

Eu falo que o melhor do meu trabalho são os "meus meninos". Trabalho com obra, e não tem nada melhor do que escutar as coisas que a peãozada fala, ou ouvir todo mundo cantando em coro enquanto quebram azulejos ou assentam contramarcos de janelas. Acho que o melhor do seu trabalho também deve ser o Seu Antônio, e pessoas como ele. Não tem como não se apegar... O melhor do mundo são mesmo as pessoas. Dê nele um abraço por mim também.

Eduardo Araújo disse...

A alma do seu Antônio revelada pela alma do Eduardo, carecemos ainda de fotografia? Abraços e forças para ambos, pois a vida é exigente.

Rodrigo Artur Nascimento disse...

Por isso que eu não sirvo para trabalhar nessa área, complicado demais, como conseguir se sentir depois de diariamente ajudar seus Antonios e não questionar os motivos os pqs disso acontecer.