sábado, 6 de fevereiro de 2010

Dos abraços

A função da arte/2

O pastor Miguel Brun me contou que há alguns anos esteve com os índios do Chaco paraguaio. Ele formava parte de uma missão evangelizadora. Os missionários visitaram um cacique que tinha fama de ser muito sábio. O cacique, um gordo quieto e calado, escutou sem pestanejar a propaganda religiosa que leram para ele na língua dos índios. Quando a leitura terminou, os missionários ficaram esperando.
O cacique levou um tempo. Depois, opinou:
- Você coça. E coça bastante, e coça muito bem.
E sentenciou:
- Mas onde você coça não coça.



A Pequena Morte

Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por encontrar-nos e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.



O Medo

Certa manhã, ganhamos de presente um coelhinho das Índias.
Chegou em casa numa gaiola. Ao meio-dia, abri a porta da gaiola.
Voltei pra casa ao anoitecer e o encontrei tal e qual o havia deixado: gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade.

* O livro dos abraços, Eduardo Galeano

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